25/06/2025 - Em toda cidade do interior, sempre existe aquele apaixonado pelo futebol de várzea que sonha alto - mesmo com os pés atolados no barro dos campinhos. Foi assim com um velho parceiro de bola e de labuta, hoje um conhecido médico aqui em Tupã. Lá no longínquo ano de 1977, ele teve a ousada ideia de criar um timinho de futebol, inspirado no lendário Estrela Vermelha de Belgrado, da antiga Iugoslávia.
Mas que nada! Acredito que ele nem conhecia esse icônico time do Leste europeu. Naquela época, praticamente não víamos jogos de equipes de outros países - e, dos times da chamada "Cortina de Ferro" então, nem se fala.
Na verdade, tudo começou com a promessa de um atuante político local das antigas, muito ligado ao esporte, Paveloski - o "Pave" - que disse que doaria um jogo de camisas brancas, com uma estrela vermelha no peito, para o time do meu amigo.
Motivado por essa promessa, ele resolveu se adiantar e batizou a equipe como Estrela Vermelha Futebol Clube. Reuniu uma molecada boa de bola lá do seu bairro, organizou alguns amistosos e chegou até a inscrever o time no próximo campeonato infantil da cidade. A ideia era ousada, e muitos no bairro já começavam a comentar sobre o projeto.
No dia marcado para a entrega dos uniformes, a expectativa era grande. Mas, ao abrir o pacote das camisas, veio a surpresa, pois as camisas eram azuis - nada do vermelho prometido, e nem mesmo a estrela no peito. Ainda assim, o nome foi mantido. Por teimosia, orgulho ou pura fé no símbolo que já começava a ganhar vida própria, o Estrela Vermelha jogaria de azul - e pronto.
Inscrito no campeonato municipal infantil, o time chamou atenção pela ousadia do nome para a época e pelo uniforme destoante. Nas primeiras rodadas, não impressionou muito. Mas foi em um jogo quente do campeonato que o time escreveu sua lenda.
A partida foi realizada no Estádio "Alonsão", palco principal do futebol tupãense. O adversário? O Brasinha - time tradicional, forte, entrosado, daqueles que já chegam com ares de favorito. Quase imbatível na época.
Nos primeiros minutos, o placar já mostrava 3 a 0 para o Brasinha. A torcida deles, imensa, se empolgava a cada lance de perigo, até que um torcedor mais exaltado comentou em alto e bom som para o técnico do time:
- "Ô Seu Machado, hoje vai ser uns 10 a 0 fácil!"
Porém, quando todos no "Alonsão" esperavam uma “lavada”, o time Brasinha tirou o pé do acelerador, e passou a tocar bola, deixando o jogo no "banho maria". Com isso o Estrela foi se acertando em campo e começou a "gostar do jogo", como dizia o saudoso comentarista Mário Sérgio. Não demorou muito para marcar o primeiro gol, diminuindo o placar através do meio-campista Raul. Em seguida, veio o segundo, marcado pelo oportunista centroavante Sérgio, inflamando de vez a molecada. O primeiro tempo terminou com o Estrela encostado no placar, um apertado 3 a 2. Mas, no vestiário, o comandante do time azul - que também era jogador - teve coragem. Fez uma substituição pontual e certeira: tirou o ponteiro Portuga e colocou Carlinhos Mazzei. Além disso, mudou o esquema de jogo, reforçando o meio-campo e liberando um ponta mais veloz pela direita.
A mudança tática surtiu efeito imediato. O time voltou com outra postura, dominando a posse de bola e com transições rápidas. O empate surgiu numa jogada bem trabalhada, finalizada com rara felicidade por Carlinhos Mazzei, que havia entrado no intervalo. E a virada veio num chute cruzado do cara que era o dono, técnico, jogador e tudo mais do time - o Gerinha, hoje conhecido como dr. Rogério - fazendo a bola morrer mansinha no canto da rede.
Placar final: 4 a 3 para o Estrela Vermelha. Uma virada histórica e improvável.
O time do Brasinha saiu de campo sem entender o que tinha acontecido. A torcida ficou em silêncio, e o torcedor dos "10 a 0" se recolheu, calado, atrás da carrocinha de pipoca.
Aquela vitória virou lenda no futebol de várzea da cidade. E o Estrela, mesmo azul, passou a carregar no peito - mais do que uma estrela - a marca da superação. Porque, às vezes, é do improviso que nascem as grandes histórias.
Escalação do Estrela Vermelha:
Goleiro: Hudson, Lateral-direito: Wilsinho Marconi, Zagueiros: Dodi Violante e Olavo Taniguchi, Lateral-esquerdo: Marquinhos Garcia, Meio-campistas: Willian Cavarsan, Raul e Marcelo Bertonha, Ponta-direita: Fernando Arvelos (Portuga), depois Carlinhos Mazzei, Centroavante: Sérgio, Ponta-esquerda: Gerinha (dr. Rogério).
Alguns jogadores do Brasinha que atuaram nessa partida:
Goleiros: Basan e seu reserva Ricardo Barufatti, Lateral-direito: Índio, Lateral-esquerdo: Porto, Zagueiros: Pirão e Beto Violante, Meio-campistas: Luizinho, Guastale e Marco Antônio, Centroavante: Ferreira, e Ponta-esquerda: Zé Coco - resumindo, um timaço!
E toda vez que essa história vem à tona, quem brilha junto com ela é o próprio Gerinha - hoje o dr. Rogério Vellini, médico anestesista muito conhecido em Tupã, mas eternamente boleiro no coração. Quando começa a contar sobre aquele dia mágico no "Alonsão", seus olhos se acendem como faróis no final da tarde, iluminando lembranças que parecem ter acontecido ontem.
Ele ajeita os óculos no rosto, cruza os braços com um sorriso que mistura orgulho e saudade, e lá vai ele descrevendo o calor da tarde, o barulho da arquibancada, o silêncio ensurdecedor da torcida adversária após o quarto gol. Fala com carinho do passe açucarado do Sérgio, da arrancada do Mazzei, da precisão do chute que selou a virada. E, quando lembra do grito de gol ecoando no estádio, parece até que a alma de menino volta a habitar o corpo do doutor.

BLOG FUTEBOL RAIZ 100
"Minhas divertidas aventuras pelo mundo do futebol de várzea, aquele que amamos chamar de 'rachão', 'arranca toco', 'quebra dedo', e entre tantos outros apelidos criativos."
Texto: Paulo Cesar - PC, através de depoimentos do dr. Rogério Vellini