Acidente peculiar do futebol raiz

Esportes


10/07/2025 - Quem nunca arrancou uma lasca do dedo jogando bola em campinho não convencional - entenda-se por isso: asfalto, pasto, concreto, terra batida ou qualquer lugar minimamente plano - não tem história para contar e, sinceramente, não conhece de verdade a essência do nosso futebol raiz.
Esses terrenos improvisados, muitas vezes cheios de armadilhas naturais como buracos, pedras, desníveis e até cacos de telha, moldaram boleiros de fibra - forjados no perrengue e na pura vontade de jogar.
Naquela época, o tipo de piso era o que menos importava. Bastava ter uma bola, mesmo que murcha, dois chinelos ou tijolos marcando o gol e pronto: estava feita a pelada. A paixão pelo jogo falava mais alto do que qualquer condição. Foi justamente nesses campos que muita gente viveu o primeiro clássico, a primeira dividida e, claro, o primeiro acidente peculiar.
Entre todos os traumas do futebol raiz, o mais emblemático talvez seja aquele ralado bruto no dedão ou nas mãos, causado por um carrinho mal calculado no asfalto quente ou por uma queda seca no concreto do campinho da escola. A ardência era imediata, mas o jogo continuava como se nada tivesse acontecido. Só depois, ao ver a pele meio solta e o sangue aparecendo, é que o estrago era percebido.
E aí vinha a segunda parte do sofrimento: o tratamento. Nada de spray anestésico ou curativo adesivo. O remédio oficial da época era o Merthiolate - aquele mesmo, da tampinha vermelha, que ardia como se o dedo tivesse pegado fogo. O ritual era quase sempre o mesmo: o moleque chegava em casa, a mãe pegava o frasco como se fosse um troféu - e, diga-se de passagem, parecia até se deleitar com aquele momento. Era a hora da revanche pelas nossas malcriações. Enquanto o filho já começava a chorar antes da primeira gota, no rosto da mãe surgia aquele sorriso silencioso, quase triunfante.
A dor era dupla - primeiro o machucado, depois o remédio. Mas ninguém pensava em parar. No dia seguinte, mesmo com o dedo latejando e a ferida mal coberta por um curativo torto, o boleiro já estava de volta ao campo, pronto para mais um “rachão” como se fosse final de campeonato.
Essas situações faziam parte do pacote. Porque ser boleiro raiz era isso, se machucar e nem cogitar parar. Era entender que cada ralado, cada cicatriz, era uma medalha conquistada em solo sagrado. E, no fim das contas, é isso que a gente leva, as histórias, as marcas e a certeza de que o futebol raiz, com todos os seus acidentes peculiares, ainda é o mais bonito e sentimental de todos.

BLOG FUTEBOL RAIZ 100
"Minhas divertidas aventuras pelo mundo do futebol de várzea, aquele que amamos chamar de “rachão”, “arranca-toco”, “quebra-dedo”, e entre tantos outros apelidos criativos."
Texto: Paulo Cesar - PC

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