A bola de futebol raiz – a famosa capotão

Policial


23/07/2025 - Parceiro, falar da bola de capotão é como abrir um álbum velho, com cheiro de mofo e lembranças. Feita de couro grosso — daqueles de arreio de burro — era costurada à mão, com gomos marcados e uma válvula escondida sob uma aba traiçoeira. Bruta por natureza, já era pesada em dias secos. Bastava uma chuvinha para virar um verdadeiro tijolo encharcado. Dava a impressão de que alguém tinha enfiado chumbo dentro dela. Tranquilamente virava uma bola de cem quilos, sem exagero de boleiro. E olha que nós, lá da roça, nunca fomos de medir peso com a régua da cidade.
Dentre muitas de suas peculiaridades, uma delas era que durante o jogo, ela fazia um barulho característico — um “tchoc” seco, como se alguém tivesse batido um pedaço de pau num tambor. Quando seca, quicava toda torta, como bêbado de final de feira. E, se estivesse murcha, então, parecia um tatu-bola de ressaca, sem rumo nem direção.
Jogar descalço com ela era coisa de guerreiro, pois o chute doía até no pensamento. Cabecear a danada era como trombar com uma melancia de couro. A costura aparente virava quase uma navalha quando o couro começava a rachar, saltando como espinho. Se uma carimbada, bem dada, pegasse mal em alguma parte do corpo, o corte era certo. Quando ressecava, ganhava uma aparência esbranquiçada, como pé rachado de lavrador no fim da colheita. E se alguém passasse graxa ou sebo nela, aí sim, ficava escorregadia feito sabão, com fome de sangue.
Os jogos com a capotão eram verdadeiros capítulos de epopeia. Não era apenas futebol, era quase um ritual. A bola era colocada no centro do campo com respeito, como quem coloca uma coroa sobre um trono. A primeira batida era um batismo. Quem chutava de bico, descalço, logo na largada, já mostrava que não temia pela vida. O estalo seco do chute, aquele famoso “plec” de dedo quebrando, que mais parecia madeira rachando, subia do dedão até o cérebro, só parando no último fio de cabelo.
O goleiro, coitado, era mártir por vocação. Em dia de chuva, tentar segurar um chute, especialmente daqueles canhotos invocados, que disparavam verdadeiros petardos em direção ao gol, era como tentar abraçar um saco de cimento cuspindo barro. Era preciso ter nervo de aço, dedo de borracha — ou simplesmente coragem.
E o cheiro? Quem já sentiu o cheiro de uma bola de capotão molhada nunca mais esquece. Era mistura de couro cru, terra e suor. Dava até pra saber quem tinha cabeceado por último, só pelo perfume que ficava na testa do maluco.
Tinha boleiro que dava até nome pra bola, de tanto apego. “Capotona”, “Redonda de Guerra”, “Maria Capotão”... Ela era quase da família.
A bola de capotão não perdoava vacilo. Era severa, pesada, torta, escorregadia. Mas era uma paixão, cada jogo com ela escrevia um capítulo na alma da várzea. Doía, sim. Mas como doía bonito e gostoso!
Quem viveu sabe. Quem não viveu, jamais vai entender o que é sair do campinho, ou daquela ruazinha morta, improvisada como campo, mancando, com o dedinho do pé latejando, ou a unha roxa, depois de um embate daqueles com a temida Capotona. Num legítimo “ando todo arranhado, mas não largo minha gata”, frase essa que sempre encontrava estampada nos para-choques daqueles velhos “Fenemes” das antigas. Colocada lá, acredito, com o devido orgulho do “Caubói do Asfalto”. 
Se tem placa, tem história...


BROG FUTEBOL RAIZ 100
“Minhas divertidas aventuras pelo mundo do futebol de várzea, aquele que amamos chamar de “rachão”, “arranca toco”, “quebra dedo”, e entre tantos outros apelidos criativos.”
Texto: Paulo Cesar - PC

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